Uma equipa internacional constituída por investigadores de várias instituições, liderada por Andrei Kholkin, cientista do Centro de Investigação em Materiais Cerâmicos e Compósitos da Universidade de Aveiro (UA) e Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica, descobriu a presença de ferroeletricidade na glicina, o mais simples dos aminoácidos conhecidos pela ciência. O investigador aponta que a propriedade agora descoberta no referido aminoácido pode permitir formar a base, por exemplo, para uma memória que, implantada dentro do corpo humano, poderá programar minúsculos implantes para entregar medicação exactamente no local e na dosagem necessárias. Bem conhecida em materiais sintéticos e inorgânicos, e largamente explorada em memórias para computadores e sistemas de armazenamento de dados, a propriedade ferroelétrica, capacidade de uma molécula inverter a sua polaridade quando submetida a um campo eléctrico, só em 2011 foi encontrada em moléculas biológicas, nomeadamente num molusco marinho. Depois disso, a ferroeletricidade tem sido identificada no tecido mole dos mamíferos. Ainda que o papel que a ferroeletricidade exerce no interior do tecido biológico não seja de todo conhecida pelos cientistas, os raros especialistas na área já antevêem que a ferroeletricidade poderá ser aproveitada para o desenvolvimento de novas classes de equipamentos bioelectrónicos e de memória, onde a inversão da polarização poderá ser utilizada para gravar e recuperar informações. Estas poderão ser utilizadas na produção quer de "medicamentos eléctricos" que desliguem, por exemplo, as propriedades eléctricas das artérias que permitem que o colesterol nelas se acumule, quer na criação de memórias bio amigáveis onde possam ser armazenados programas que façam entrar em ação pequenos dispositivos previamente implantados. A investigação do cientista da UA, publicada no Advanced Functional Materials e citada na prestigiada revistas New Scientist e nos sites Phys.org e Sciencedaily.com, usou uma combinação de modelagens computorizadas para identificar e explicar a mudança na polarização na glicina, quando as suas moléculas estão dispostas num tipo particular de rede cristalina e submetidas a um campo eléctrico. A pesquisa de Andrei Kholkin, um dos raros investigadores mundiais na senda da ferroeletricidade em tecidos orgânicos, abre assim mais uma porta para a construção de dispositivos de memória feitos de moléculas existentes no organismo humano e que poderão guardar e recuperar informação, na forma de domínios ferroelétricos, através da mudança da sua polarização. Diário de Aveiro |