A qualidade do ar nas salas de aula das escolas do 1º ciclo da cidade de Lisboa é “bastante preocupante para a saúde das crianças”. A conclusão é de um estudo de uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA) que, durante um ano, monitorizou o ar das salas de 14 estabelecimentos de ensino da capital portuguesa.
A falta de ventilação, as turmas demasiado grandes para o tamanho das salas, a escolha sem critérios dos materiais para o mobiliário, dos produtos de limpeza e dos trabalhos de reabilitação das salas estão entre os culpados por ambientes com taxas de poluentes que ultrapassam em muito o estipulado pela legislação. O desenvolvimento de asma, rinite e alergias estão entre as consequências possíveis para as crianças.
A investigação do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da UA, representativa não só da qualidade do ar das escolas do 1º ciclo localizadas em Lisboa como das do restante território nacional, envolveu a instalação nas salas de aula de amostradores passivos e de analisadores automáticos que recolheram informações sobre a presença de monóxido de carbono, de dióxido de carbono, de compostos orgânicos voláteis, de formaldeído, de partículas, de bactérias e de fungos.
A temperatura e a humidade foram igualmente captadas e analisadas pela equipa da investigadora Célia Alves que, com os mesmos resultados alarmantes, monitorizou três escolas da cidade de Aveiro.
“Para a maioria desses compostos, as concentrações obtidas no interior das salas superavam, e nalguns casos largamente, as que se registavam no exterior”, revela a cientista. Célia Alves aponta mesmo que “nalgumas salas se detetaram níveis alarmantes de dióxido de carbono”. Este, por si só não é considerado poluente, mas os elevados níveis registados “são um indicador de que na maioria das escolas a ventilação é muito má e que, por isso, outros poluentes se acumulam”.
Célia Alves refere não só os poluentes que entram diretamente do exterior para o interior das salas de aula mas, igualmente, os que são produzidos dentro do próprio espaço, sejam fibras de roupa, escamações dérmicas, giz, matéria que quando fragmentada é inalável. “O mesmo se passa com os compostos orgânicos voláteis produzidos, por exemplo, pela tinta das canetas ou emitidos pelos produtos de limpeza”, aponta.
Salas com má ventilação
“Todos estes resultados derivam da má ventilação e da excessiva taxa de ocupação das salas de aula”, considera Célia Alves. “Há países que têm normas que regulam o número de ocupantes tendo em conta a área e a volumetria da sala, mas essas normas não existem em Portugal. E tudo isso contribui para a acumulação de poluentes para níveis muito superiores daqueles que estão estipulados na legislação portuguesa e recomendados pela Organização Mundial da Saúde”, avisa.
Por outro lado, também a escolha dos materiais na hora de mobilar as salas ou de serem intervencionadas com obras de remodelação não é a mais indicada. A prova são os níveis encontrados dentro das salas de aula de formaldeído, um químico emitido por produtos usados diariamente, como são as tintas de parede ou o mobiliário, e que, quando inalado, pode provocar múltiplas alergias. Dependendo das concentrações e do período de contacto permanente com o químico, o formaldeído pode mesmo provocar cancro.
“Verificámos que nalgumas escolas os níveis de formaldeído eram bastante preocupantes”, aponta Célia Alves. “Isso tem a ver com o facto de, por um lado, não haver uma seleção criteriosa do mobiliário e dos materiais de construção e, por outro, os espaços não sofrerem ventilação adequada após a instalação de novos equipamentos ou a realização de obras”, diz.
Alunos faltam por doença
Se a temperatura das salas se manteve, em geral, dentro dos níveis considerados de conforto, os da humidade não. “Grande parte das escolas apresenta humidades relativas muito superiores à gama considerada ótima que é entre os 30 e os 60 por cento. A maior parte das escolas tinham níveis muito superiores a 60 e, nalguns casos, níveis próximos da saturação”, refere a investigadora. “E isso tem implicações quer ao nível do conforto das crianças quer ao nível do desenvolvimento de micoorganismos na sala de aula”, refere.
A investigação da UA registou, no outono e no inverno, níveis de fungos e de bactérias que superavam em média quatro vezes o limite legislado em Portugal. Na primavera a equipa identificou escolas com valores 80 vezes maiores do que o indicado pela lei.
“Embora não tivéssemos uma equipa médica a acompanhar-nos constatámos que muitos alunos faltavam devido a alergias e a doenças respiratórias”, lembra Célia Alves. Défice de atenção e decréscimo do rendimento escolar são igualmente algumas das consequências a que os mais novos podem estar sujeitos quando em contacto, de forma prolongada, a elevados níveis de poluentes e de humidade.
Abrir as janelas mais vezes, aproveitar as férias de verão para fazer obras de remodelação das escolas, escolher tintas e mobiliários certificados, são algumas das simples soluções para aumentar a qualidade do ar no interior das salas de aula.
Texto e foto: UADiário de Aveiro |