Para melhorar o rendimento dos estudantes do ensino secundário, os exames nacionais deveriam começar, pelo menos, a partir das 10h30. Esta é a opinião de Ana Allen Gomes, psicóloga e especialista em distúrbios do sono, que aponta igualmente para o desajuste dos horários escolares a partir do 2º ciclo do ensino básico (CEB) cuja matutinidade “está em contradição com aquilo que é a tendência oposta na puberdade”, período onde a fisiologia humana impele os adolescentes a deitarem-se e a acordarem mais tarde. Autora principal de um estudo sobre o horário e a duração do sono das crianças portuguesas, a investigadora da Universidade de Aveiro (UA) garante que, apesar destas dormirem um número de horas recomendado, estão no limite mínimo.
O conhecimento científico sobre o sono, “permite afirmar com segurança que os exames para alunos que já entraram na puberdade não se devem iniciar logo nas primeiras horas da manhã. Estes poderiam e deveriam começar a partir das 10h30, e não antes, no caso de exames de uma hora e meia, acrescidos de tolerância para estudantes com necessidades educativas especiais”, aponta Ana Allen Gomes.
Na verdade, garante a investigadora do Departamento de Educação e Psicologia da UA, “não parece existir evidência científica suficiente que sustente o favorecimento de provas ao início da manhã, como em geral sucede”. Ana Allen Gomes lembra que existe, inclusivamente, investigação que sustenta a marcação de exames, a partir da adolescência, para o período da tarde, com início às 15h00”. E quando assim é “adolescentes e jovens adultos têm mais oportunidades de obter uma duração de sono adequada na véspera do exame”.
Da mesma forma, e em relação aos horários escolares, Ana Allen Gomes considera que “deixam de estar ajustados” pelo menos a partir do 2º CEB. “Não se compreende por que motivo, à medida que a criança se torna mais velha e se aproxima da puberdade, os horários escolares se iniciem mais cedo. Essa matutinidade crescente de horários está em contradição com aquilo que é a tendência oposta com a entrada na puberdade, que é a de atraso [deslocação para mais tarde] do sistema circadiano, como é exemplo o ritmo sono-vigília, com tendência para o adolescente se deitar e levantar mais tarde”, diz.
A investigadora levanta a pergunta: “Se os pais e as escolas durante os anos do pré-escolar e do 1º CEB se organizam de modo às crianças iniciarem as suas atividades letivas às 9h00 ou mesmo 9h30, por que motivo a partir do 2º ciclo as atividades letivas começam mais cedo?”. Uma alteração de horários que, “à luz do que é consensual entre a comunidade científica dedicada ao estudo do sono e dos ritmos circadianos que demostrou que na puberdade há uma deslocação para mais tarde da fase do sistema circadiano”, não promove o rendimento escolar.
Por isso, “pelo menos do ponto de vista da fisiologia humana, não faz sentido que horários de atividades académicas, com o seu início às 9h00 ou às 9h30 durante os anos do pré-escolar e do 1º CEB, passem para mais cedo a partir do 2º CEB, quando a maioria dos alunos entra na puberdade ou se encontra muito perto da mesma”. No auge da adolescência, salienta, “esta questão da adequação dos horários escolares aos ritmos internos do organismo, coloca-se ainda com mais evidência”.
Responsável por vários estudos pioneiros em Portugal sobre a qualidade do sono, Ana Allen Gomes garante que a duração de sono das crianças portuguesas entre os 4 e os 11 anos de idade se situa, em média, perto do limite inferior do que a National Sleep Foundation considera ser uma duração “normal e desejável”. Esta fundação norte americana, um dos centros mais prestigiados no que toca ao estudo do sono, recomenda entre 10 a 13 horas de sono em crianças de idade pré-escolar. O estudo de Ana Allen Gomes aponta para médias nacionais a rondar as 10 horas e 35 minutos. “A Fundação recomenda também durações entre 9 a 11 horas em idade escolar [dos 6 aos 13 anos], quando no nosso estudo encontramos médias de sono à semana sistematicamente inferiores às 10 horas nestas idades”, diz a investigadora que estudou os hábitos de sono de mais de 3000 crianças de agrupamentos de escolas em vários pontos de Portugal continental. “As durações médias de sono no nosso estudo são também inferiores às que encontramos noutros países europeus”, refere a investigadora para quem os dados alcançados “não nos devem deixar propriamente descansados”, convidando à reflexão dos motivos para que tal aconteça em Portugal.
Ana Allen Gomes chama também a atenção para os dados referentes à diferença média das durações de sono à semana e ao fim-de-semana, uma diferença que indica em que medida está presente um padrão de restrição-extensão do sono, respetivamente. Um padrão mais acentuado é sugestivo de sono insuficiente durante a semana, levando a necessidade de maior compensação ao fim de semana. “Verifica-se que este padrão passa de uma média de 31 minutos nas crianças de 4 anos para uma média de uma hora e 15 minutos nas crianças de 11 anos. Verificámos também um aumento gradual deste padrão, o que significa que a insuficiência de sono à semana se acentua com a idade”, aponta.
O estudo não encontrou diferenças assinaláveis entre sexos ou entre regiões. E curiosamente, sublinha Ana Allen Gomes, “comparando os nossos resultados com os do estudo português mais amplo da época na década de 90, em crianças do 1º CEB [realizado pela investigadora Vanda Clemente em 1997], não encontramos diferenças assinaláveis em termos de horários e durações de sono. Os dados comparativos sugerem apenas que as crianças do 1º CEB praticam agora horários ligeiramente mais matinais”.
Tal sugere mais uma vez, aponta, “que deveremos questionar-nos porque em Portugal os nossos filhos e educandos dormem menos do que seria suposto”. A investigadora faz notar que o facto dos horários e durações de sono atuais parecerem basicamente semelhantes aos de meados dos anos 90 sugere que a culpa não será essencialmente das novas tecnologias que, entretanto, surgiram. “A possível influência dos horários de trabalho dos pais será uma hipótese a considerar pela investigação futura”, adianta.
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