1. A vida actual está transformada numa corrida, mesmo para quem tem mais oportunidade para a gestão do seu tempo. De hábito em hábito, de novidade em novidade, com novas e novíssimas formas de comunicar mais e mais? corremos para acompanhar os “acontecimentos” do mundo; e a vida vai-se transformando numa roda-viva sem que, porventura, essa viagem apressada seja acompanhada da devida pausa e reflexão. Não será por acaso que muita da análise da vida da sociedade nos nossos dias vai demonstrando e fundamentando uma menor qualidade de pensamento, ausência de “filosofias” / ideais de vida, e por isso de acção em qualidade. E decisão e acção que não é bem pensada, reflectida, ponderada, pode acabar por se traduzir no popular “quanto mais depressa, mais devagar!” Também não é alternativa, diante da realidade nova, viver saudosista do passado, mantendo as âncoras agarradas às seguranças de outrora; não, de modo nenhum! O mundo presente, com os seus valores e também contravalores, como afinal em todas as épocas de civilização humana, desafia-nos a reinterpretar os sinais e a “acender” no tempo presente as luzes da esperança para sabermos onde queremos chegar. Isso mesmo, no meio de tudo o essencial será mesmo saber o que se quer e que passos dar para a realização desse caminho! 2. Algo que nos preocupa, diariamente, são precisamente as noções de “tempo” e “lugar” para as “coisas” mais importantes da vida. Todos o sabemos e as instâncias associativas e culturais ligadas à vida colectiva sentem-no na “pele”, é preocupante a indiferença, a passividade intermitente e incolor, a “ausência”; hoje, mais que nunca, investe-se imenso em comunicar, publicitar, convidar, no passar da mensagem que convença à participação, mas sabe-se à partida, que o terreno é complexo e não há receita que funcione automaticamente. As coisas são como são! As noções de “pertença à comunidade” vão-se esbatendo. Por um lado será bom que o cidadão e Portugal não fique “fechado” neste “canto à beira-mar” mas seja cidadão da Europa e do Mundo? Mas não nos iludamos, pois não é disso de que se trata. O cidadão está a esquecer a “cidade” e, no meio de toda a mega informação e comunicação, não estamos a conseguir passar a mensagem que o ligue mais à realidade; o cidadão “navegando” pelo mundo inteiro na net acaba, depois, por ficar fechado no seu mundo e esquecendo que a “cidade” precisa do contributo positivo de todos. 3. Há “tempo” e “lugar” para a cultura, para ir crescendo por dentro um pouco todos os dias (afinal, o que nos fica como síntese das “coisas” que dizemos e fazemos)? Há tempo e lugar para pensar a VIDA e os seus ideais? No final de contas, há oportunidade, ainda, para o universalizar da ética e da cultura da dignidade humana, bases estruturantes da vida social? Também o mundo do Ensino Superior (em Portugal) vive tempos novos. Estes, na harmonização do espaço único de Ensino Europeu (Protocolo de Bolonha), trazem um mundo de possibilidades de parceria europeia mas, naturalmente, também uma série acrescida de preocupações e desafios a superar. É uma realidade irreversível já preparada há longos anos e que agora vai chegando à vida do ensino e da sociedade; sem ilusões e sem medos, eis que está o desafio à descer à vida real. Licenciaturas em três anos; com 21 anos jovens apresenta-se proximamente ao mercado de trabalho; cada ano lectivo ganha mais importância; não há tempo para distracções; cada semana, cada mês de aulas passam num instante; sobe, mais ainda, o ritmo da vida, onde a “higiene do sono” e a serenidade são desafio de cada dia; faltará, mais ainda o tempo para a participação. 4. Três anos de curso superior passam num “instante”, nesta nova realidade que é um facto e que toda a sociedade em geral ir-se-á adaptar com naturalidade. Mas?que jovens sairão para a vida activa? Que “amor” e consciência de pertença à instituição e cidade onde estudam? Que tempo e lugar para a outra face da vida?a humana, pessoal, corresponsabilidade social? Que amadurecimento pessoal e dos conteúdos?... Ficando-nos a certeza de que perguntar e problematizar ajuda a reinventar caminhos de adaptação à nova realidade, temos a sensação de que “três anos” não chegam para ficar “saudade” das pessoas, do lugar e tempo vividos, das instituições; “saudade”, sentimento académico este que terá os dias contados?? Não somos saudosistas, de modo algum, mas nessa palavra está toda uma carga de “pertença” essencial e que, naturalmente, irá esbater-se pois não há “tempo”. Estamos, pois, diante de uma nova realidade que poderá, mais ainda, desagregar e dificultar todo o espírito de cultura e vida social - do SER PESSOA EM SOCIEDADE - para os homens do amanhã. Estes daqui a anos, que farão a gestão da sociedade nas suas mais variadas instituições, terão, mais ainda, pela pressa do estudo e da vida, uma menor visão de conjunto da vida e da realidade. Será isto realidade? Em tempos em que não há “tempo” nem “lugar”, parar e pensar sobre como reinventar caminhos diante deste novo paradigma de Bolonha é também um desafio premente que todos temos e que é contributo essencial à própria humanização da sociedade do amanhã. Afinal, sendo o futuro que está em causa, que outra realidade é mais importante (devendo por isso “mobilizar” todas as forças e sinergias)?... Alexandre Cruz* *Centro Universitário de Fé e CulturaDiário de Aveiro |