CONSTA-SE QUE CUNHAL TENTOU FUGIR, O QUE NÃO É VERDADE

Sofia Ferreira, detida pela PIDE com Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro, em 1949, no Luso, desmentiu hoje que Cunhal tivesse tentado fugir e que houvesse equipamento de transmissões na casa clandestina em que se encontravam.

Na cerimónia de descerramento de uma lápide no Casal de Santo António, no Luso, evocativa da detenção, Sofia Ferreira fez questão de esclarecer que alguns pormenores que têm vindo a público sobre esse momento não correspondem à verdade.

"Consta-se que Cunhal tentou fugir, o que não é verdade. Era impossível tentar qualquer fuga porque ele e o Militão Ribeiro, depois de vestidos, foram algemados um ao outro", relatou Sofia Ferreira.

De acordo com as suas palavras, "uma brigada de seis agentes da PIDE tomou de assalto a casa pelas 05:00, entrando de rompante, acompanhada pela GNR com metralhadoras e não bateram sequer à porta".

"Arrombaram-na e subiram logo ao primeiro andar onde estavam os quartos. Estávamos na cama e mal tivemos tempo para nos levantar. O Álvaro Cunhal e o Militão Ribeiro foram algemados logo em pijama e encostaram o Álvaro Cunhal à parede, com uma arma apontada à cabeça, tendo o Jaime Gomes Silva dado ordens para dispararem quando ele mandasse", conta Sofia Ferreira, descrevendo o clima de intimidação e violência, vivido no momento.

Só depois de revistada a casa os dois homens puderam vestir-se, sendo novamente algemados um ao outro, segundo se recorda, enquanto ela foi autorizada a vestir-se no quarto de banho, mas sem fechar a porta. Depois foram todos levados numa carrinha para o Porto.

"Eu não fui algemada porque não era preciso", comenta.

Sofia Ferreira fez questão também de dizer que não corresponde à verdade que na casa estivessem escondidos equipamentos de transmissões para contactar com Moscovo.

"O trabalho que fazíamos aqui era político e quem conhece o que era o PCP na clandestinidade sabe que tal não era possível. Até por razões de segurança não interessava ter antenas na casa", disse.

Sofia Ferreira era então a "D. Elvira", esposa de "Manuel Soares" (Álvaro Cunhal) que alugaram temporariamente a casa no Luso, em Novembro de 1948, para repousar "por motivos de saúde", enquanto o senhor estudava porque andava a tirar um curso.

Militão Ribeiro só mais tarde se lhes juntou, para ali se refugiar, vindo de Macinhata do Vouga, de onde teve de fugir porque a PIDE deu com o local.

"Na clandestinidade tinha de haver uma vida muito resguardada, pelo que não podíamos conviver com as pessoas do Luso e passear", recordou.

Apesar dessa reserva, Sofia Ferreira, entre os muitos cumprimentos que recebeu hoje, recebeu um abraço caloroso de Alberto Penetra, que conhecia a D.

Elvira, na altura "uma rapariguinha nova", de a atender diariamente na padaria do sogro.

A irmã de Álvaro Cunhal, Eugénia Cunhal, fez questão de marcar presença na cerimónia, mas o esforço e a emoção fizeram-na ter um "ligeiro desmaio" quando ouvia o relato de Sofia Ferreira, sendo prontamente assistida por um médico que se encontrava no local.

João Frazão, da comissão política do PCP, realçou a importância da evocação, para contrariar "as tentativas de branqueamento do fascismo".

"Procuram dar hoje ao fascismo novas roupagens, do tipo português suave e o que aqui evocamos é disso o mais cabal desmentido. Aos que querem erigir um monumento ao ditador de Santa Comba, temos de dizer que o que falta não é um museu do Estado Novo, mas da resistência", declarou.

Presentes estiveram também várias figuras de outros partidos, nomeadamente o presidente da Câmara da Mealhada, Carlos Cabral (PS), o qual salientou que foi da soma de derrotas como a do Luso, em que oposicionistas foram detidos, que se fez a vitória da liberdade, no 25 de Abril.
Diário de Aveiro



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