A CEGONHA É UM ANIMAL DE HÁBITOS

As cegonhas "dão à luz" cada vez mais crias no Baixo Vouga, numa tensão de interesses com a EDP, que tenta afastá-las das linhas de distribuição de energia, usando dispositivos que as aves contornam.

Inconformadas com as acções de "despejo" promovidas pela EDP, não só voltaram a fazer ninho nos postes de alta tensão, como ocuparam os pórticos de sinalização da auto-estrada Aveiro/Vilar Formoso (A25), indiferentes ao movimento automóvel.

Um recenseamento da Quercus, quando comparado com estudos semelhantes, indica que a produtividade da Cegonha Branca no Baixo Vouga Lagunar é a maior do país, com uma média que varia entre os três e os cinco juvenis por casal e a maior parte dos ninhos (67 por cento) são construídos em postes de média e alta tensão.

Numa acção autorizada pelo Instituto de Conservação da Natureza (ICN), a EDP Distribuição tem retirado ninhos de locais em que afectam a rede eléctrica, mas as cegonhas voltam a nidificar nos mesmos postes.

Segundo a EDP, a intervenção visava acabar com interrupções de fornecimento de energia decorrentes de contactos acidentais das aves com os condutores em tensão e minimizar o número de acidentes mortais de cegonhas por electrocussão.

"A cegonha é um animal de hábitos e volta a tentar fazer ninho no mesmo sítio. O que está a acontecer, por exemplo, na linha de alta tensão entre Cacia e Salreu, mesmo com os dispositivos anti-ninho, do género cata-vento, é que as cegonhas arranjam estratégias de os contornar. O resultado é que os ninhos ficam mal feitos, com mais probabilidade de caírem e de os juvenis tocarem nos fios eléctricos", explicou à Lusa Fernando Leão, da Quercus.

Segundo aquele dirigente da Quercus, ao contrário do que começou por fazer, no último Inverno a EDP não colocou postes alternativos com plataformas artificiais, ao lado dos ninhos que retirou.

"Limitou-se a retirar os ninhos do ano anterior sem dar alternativa às aves, que na região não têm árvores com estrutura para nidificarem, ao contrário do que acontece no Alentejo, com os sobreiros, pelo que os postes de alta tensão estão todos outra vez ocupados", descreve.

De pouco têm servido os dispositivos anti-ninho. As cegonhas descobriram como contornar o obstáculo e há imagens que mostram uma cegonha a travar a pá do cata-vento, enquanto a outra deposita os paus para fazer o ninho.

Uma vez construída a morada do casal, o cata-vento já não roda e podem ali "ser felizes e ter muitos filhinhos", numa "história" em que a EDP, essa, não está a conseguir chegar a um final feliz.

A Quercus tem acompanhado atentamente a evolução da cegonha branca na região, que já não é uma espécie em vias de extinção, mas está protegida pela Directiva das Aves (Anexo I da Directiva 79/409/CEE) e constata que o problema deriva, não só de não terem sido instalados postes alternativos, como também do aumento muito significativo da comunidade de cegonhas na zona.

"Em 2006 recenseámos mais de 170 ninhos na região e só um numa árvore. A cegonha branca era abundante no início do século e começou a diminuir nos anos cinquenta. Na década de oitenta praticamente desapareceu e o repovoamento deu-se na década de noventa", diz Fernando Leão.

Segundo este ambientalista, "em 1989 reapareceu o primeiro ninho no Vale do Cértima e nos primeiros anos a população era pouco estável, mas a partir de meados da década de 90 começou a crescer o número de casais, ano após ano, quase todos localizados na Zona de Protecção Especial da Ria de Aveiro (ZPE)".

De acordo com o dirigente da Quercus, além de se verem cegonhas em maior número, mudaram de comportamento, pois inicialmente só vinham ao Baixo Vouga para nidificar, mas algumas aves começaram a ficar.

"Já existe um núcleo de invernantes, que corresponde sobretudo aos casais reprodutores, já que os juvenis continuam a migrar para Africa. Não há ainda uma justificação científica firme que explique essa alteração. Detectam-se também migrações internas, para o Tejo e Sado, durante os meses de Agosto e Setembro, regressando com o Inverno", esclarece.

Os ninhos na A25 também não têm parado de aumentar e surgiram quando a EDP colocou os dispositivos anti-ninho na linha de alta tensão entre Cacia e Angeja, sendo "o sítio mais fácil" que encontraram nas proximidades para nidificar.

Dos quatro ninhos registados naquela auto-estrada no ano passado já passaram para sete este ano e "são ocupados por casais jovens, enquanto simultaneamente se constata que as outras cegonhas voltaram a fazer ninho na linha de alta tensão".

"O trânsito da auto-estrada não os incomoda porque é uma espécie que tem grande capacidade de adaptação e convive bem com estruturas criadas pelo homem, existindo mesmo ninhos antigos que se mantêm junto à linha-férrea", explica Fernando Leão.

De acordo com o último estudo, reportado a 2006 e que a Quercus vai publicar, existem na região 168 ninhos ocupados, 65 por cento dos quais situados em postes de média e alta tensão.

Para resolver o problema, a Quercus propõe uma solução que envolva as câmaras de Aveiro, Albergaria-a-Velha e Estarreja, organismos públicos e a EDP.

Trata-se de aproveitar terrenos do Estado e das autarquias para definir uma zona de concentração e levar as cegonhas a construir aí os ninhos, em postes colocados para o efeito, durante o próximo Inverno.

"Essa solução facilita os estudos científicos da cegonha branca e evita conflitos", defende.

Segundo Fernando Leão, há experiências semelhantes bem sucedidas em montes alentejanos, em que as cegonhas "aceitaram" mudar os ninhos para os postes que os proprietários colocaram onde menos transtornos lhes causavam.
Diário de Aveiro



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