JB publicou, em 23/5 passado, uma moção dos advogados locais em defesa da manutenção da comarca como tribunal de competência genérica. Trata-se dum documento importante, que merece ser analisado e ponderado com sentido crítico. É o que procurarei fazer, considerando os tribunais que temos e as propostas do actual governo. I - O presente Em traços muito gerais, a actual organização judiciária divide o país em 4 distritos que albergam 233 comarcas enquadradas em 58 círculos (dados de 2004). A de Oliveira do Bairronão foge à regra da competência genérica, isto é: julga os casos cíveis (direitos emergentes das obrigações contratuais, do direito de propriedade e do direito da família e sucessório), da mesma forma que julga os casos criminais. As nossas questões laborais são decididas pelo Tribunal de Trabalho de Águeda, tal como os casos administrativos e fiscais estão debaixo da alçada do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu. Neste particular, o actual governo decidiu corrigir um erro crasso que vinha de trás e Aveiro irá ter o seu TAF. É sabido que a comarca tem uma pendência de processos muito elevada. De acordo com dados fornecidos pelo ministério ([1] )e tendo em conta as 66 comarcas do Distrito Judicial de Coimbra, Oliveira do Bairro encontra-se em 22º lugar quanto ao n.º de processos entrados entre 2000 e 2004, bem à frente de comarcas como Vagos, Mealhada, Sever do Vouga e Mira, entre tantas outras. Não será por acaso que temos 4 magistrados (2 judiciais e 2 do ministério público), os quais têm em mãos mais de 5.000 processos (só em 2004 entraram 1.626). Apesar disso, os sucessivos ministros da justiça têm achado que somos uns crânios iluminados e que bastam 13 funcionários para dar conta do recado. Entretanto, a comarca da Mealhada tem 9 funcionários para um total de 2 magistrados, exemplo que aqui aponto por razões que irão perceber. II - O futuro Não está em causa a necessidade de reorganizar o mapa judiciário do país e as competências dos tribunais, medida que não é nova, como salientou o Dr. Mário Raposo, advogado com vasta experiência governativa na área da justiça. ([2] ) O congestionamento de muitos tribunais e o quase vazio de outros impõem o reagrupamento de algumas comarcas e até a extinção de outras, razões que levaram os dois maiores partidos a subscrever um pacto da justiça. Por isso e em vez dos 4 distritos judiciais existentes (Porto, Coimbra, Lisboa e Évora), o país vai ser dividido em NUT’s (Nomenclatura de Unidade Territorial), sendo que Oliveira do Bairro integra um dos quatro projectos/piloto a nível nacional, por via da designada NUT do Baixo Vouga. De acordo com os estudos feitos, o principal objectivo da experiência incide sobre a reforma do mapa judiciário (rede dos tribunais), promovendo o seu ajustamento ao movimento processual existente. Os objectivos estratégicos do governo estribam-se “num quadro de coesão nacional e de promoção duma Justiça mais eficiente e próxima dos cidadãos”. Ou, citando o seu programa, “a gestão racional do sistema judicial requer o ajustamento do mapa judiciário ao movimento processual”. A demonstração está à vista: - A NUT do Baixo Vouga abrangerá os Tribunais dos concelhos de Ovar, Estarreja, Murtosa, Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Aveiro, Ílhavo, Vagos, Águeda, Anadia, Oliveira do Bairro e Mealhada. Naquilo que mais nos diz respeito, por razões de proximidade, pretende-se a seguinte distribuição de competências: a) Aveiro:3 Juízos Cíveis, abrangendo Aveiro, Vagos, Ílhavo, Estarreja e Murtosa; 2 Juízos Criminais (Aveiro e Ílhavo); 1 Juiz de Instrução Criminal; 1 Juízo de Família (Aveiro e Ílhavo); 1 Juiz de Trabalho; b) Ílhavo: 1 Juízo de pequena instância criminal (Aveiro, Ílhavo e Vagos); c) Vagos:1 Juízo Criminal; d) Águeda: 1 Juízo Criminal e 1 Juízo Cível, cada um com 2 Juízes e 1 Juízo de Trabalho, este com competência para Águeda, Albergaria, Sever do Vouga, Anadia, Oliveira do Bairro e Mealhada; e) Anadia: 1 Juízo Criminal e 1 Juízo Cível, abrangendo apenas Anadia e Oliveira do Bairro; f) Oliveira do Bairro: 1 Juízo de Família, abrangendo Águeda, Anadia, Oliveira do Bairro e Mealhada; g) Mealhada: mantém a competência genérica, com 1 Juiz. Conclusões A Mealhadamantém-se como o único tribunal de todo o Baixo Vouga com competência genérica. Quem diria! Os dados estatísticos relativos à movimentação dos processos colocam Mealhada atrás de todas as comarcas da região, com a única excepção de Sever do Vouga, que passa a “Casa de Justiça”. Então, Oliveira do Bairro, com quase o dobro de processos cíveis e criminais, perde competência genérica a favor da Mealhada? Será por razões geográficas e orográficas, que a Mealhada fica longe de Anadia e os acessos são maus? Ou será que a manutenção da actual competência daquele tribunal se baseou apenas em razões geopolíticas, explicáveis pelo facto da Mealhada ser da mesma cor do partido no governo? Seja como for, será isto ajustar o mapa judiciário ao movimento processual? Óscar Santos* *Advogado
[1] - Estudo do “Observatório Permanente da Justiça Portuguesa/Totalidade dos processos entrados nas comarcas do Distrito Judicial de Coimbra”, cujo ficheiro pode ser consultado na pág. da internet do Ministério da Justiça (“Novo Mapa Judiciário”). [2] - Artigo publicado no Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 45, Jan/Fev 2007, pág. 16.Diário de Aveiro |