OS ITINERÁRIOS COBREM TAMBÉM A ZONA DA BAIRRADA

Dois dos três hipermercados de Aveiro, Jumbo, Feira Nova e Continente, oferecem transporte gratuito desde as aldeias à volta da cidade para quem queira ir às compras, um serviço aproveitado sobretudo por idosos para “matar o tempo”.

Os autocarros ao serviço dos hipermercados asseguram a ida e regresso numa manhã ou numa tarde, ao longo da semana, procurando captar clientes da periferia de Aveiro e de outras zonas do distrito.

Os itinerários do Feira Nova cobrem também a zona da Bairrada, de Águeda e de Mira, ao sul de Aveiro, e chegam a Oliveira de Azeméis e a Ovar, ao norte, percorrendo vários lugares no trajecto.

Já o Jumbo tem o serviço orientado sobretudo para sul e para o interior, cobrindo sensivelmente as mesmas zonas do Feira Nova, e não faz o norte do distrito, mas em compensação percorre a zona das Gafanhas e das praias, no litoral.

Apenas o Continente, recentemente estabelecido em Aveiro por compra do hipermercado que pertencia à cadeia Carrefour, não oferece nenhum serviço semelhante.

Lurdes Matos, ex-operária da Vista Alegre e residente no Vale de Ílhavo aguardava no largo com as vizinhas e amigas pelo autocarro do hiper, que, apesar de gratuito, não estava a salvo de reparos pelo atraso.

“Gosto muito de ir e já esta semana lá fui. Tem lá coisas mais baratas e trazemos sempre algumas compras. O que compro mais é peixe, carne e hortaliças, mas também faço compras no comércio tradicional, só que são mais agulhas, linhas, lãs e essas coisas”, explicou à Lusa.

Na loja da terra compra poucas mercearias devido à diferença de preços: “um simples pacote de bolachas são logo mais 30 cêntimos”, comenta.

Ao lado, o único homem no grupo, um “rapaz” perto dos seus setenta anos que não quer dar o nome, sente necessidade de justificar porque se encontra ali, habituado que está a que sejam as mulheres a tratar do governo da casa.

“Vou só ver aquilo. É só para sair de casa e sempre se dá uma volta”, esclarece.

Pouco à vontade, Lurdes Matos, mais extrovertida, vem em seu auxílio corroborar.

“É útil, até para conviver. A gente passeia, lancha, faz as compras e vimos embora todos contentes”, descreve.

Albertina Grangeia, também reformada, vai para tentar economizar algum. Organiza a sua gestão doméstica de forma a não lhe faltar nada no dia-a-dia, porque fazer compras no mini-mercado da terra “é encurtar a reforma”.

“Olhe, aqui é tudo muito caro. O autocarro é de graça e há que aproveitar. Compro lá tudo, por atacado, para não faltar nada em casa, mas não levo lista porque não preciso e às vezes lá é que se resolve, conforme as promoções”, dá o seu testemunho.

Pouco contente com as “excursões” para os hipermercados da cidade está Maria Licínia, que abriu há 20 anos o mini-mercado São José e sente que o movimento do estabelecimento “cada dia vai caindo”.

“Antigamente ia ao armazém e gastava 300 contos e às vezes tinha de lá voltar. Agora são em média cerca de 400 euros e vamos andando?”, relata à Lusa, com o desalento de ver definhar o negócio, por não conseguir competir com os preços e condições dos “gigantes” que lhe fazem frente.

O São José é já o único sobrevivente das mercearias da aldeia, que chegou a ter mais três “casas boas” que tiveram de fechar, tal como aconteceu no lugar vizinho dos Moitinhos, onde havia mais duas que também encerraram.

“Eram tantas e todas vendiam”, comenta com saudosismo, explicando com crueza porque é que o seu estabelecimento ainda sobrevive: “estou com 50 anos, onde é que vou arranjar o emprego?”.

A relação de confiança com os clientes ainda é o que segura alguns, a quem deixa ficar a dever porque sabe que é gente séria e, se o fim do mês demora mais, no mês seguinte acerta contas.

Os hipermercados também dão facilidades, têm cartões, vendem a prestações, mas são muitos papéis para pessoas que, algumas, mal sabem escrever.

Numa terra onde “todos sabem da vida de todos”, a palavra ainda tem muito valor e dispensa documentos de identificação, comprovativos de residência, folhas de vencimento e números de identificação bancária.

A garantia de Maria Licínia é a palavra dada e a penalização por incumprimento é “começar a cortar no fiado a quem não é certo”. Por vezes alarga o prazo ou dá um período de carência se os motivos são atendíveis, mas, pelo menos, juros não cobra.

Alheia às dificuldades do mini-mercado São José, a excursão parte para Aveiro, apanhando mais passageiros pelo caminho.

Pedro Barros, o motorista, já faz o serviço há seis anos e conhece muitos dos passageiros pelos nomes, porque alguns “vêm mais de uma vez por semana”.

“É quase sempre o mesmo pessoal, idosos e reformados que fazem disto um convívio semanal. Conversam sobre os preços e fazem comparações, encontram-se aqui de aldeias vizinhas e aproveitam para saber quem morreu, quem casou, saber das novidades ou dizer o que vão fazer nos dias seguintes”, relata.

Segundas, sextas e sábados são os dias em que o autocarro anda mais cheio, mas é a partir do dia 22, quando são recebidas as reformas, que afluência é maior.

O gerente de uma das grandes superfícies disse à Lusa que o serviço é pouco rentável, mas se mantém pela sua importância social.

“São sobretudo reformados que o usam e, para eles, vir ao hipermercado é uma maneira de se distraírem e passar o tempo, mas gastam, quando muito e em média, 20 euros por pessoa. Assim dão um passeio, convivem e passam um dia diferente dos outros”, conclui.

Diário de Aveiro


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