Namércio Cunha retomou de manhã o seu depoimento no tribunal de Aveiro com evidente desconforto de alguns advogados de defesa envolvidos no processo de corrupção conhecido como Face Oculta. O arguido reconheceu, mais explicitadamente, que o grupo de Manuel Godinho tinha acesso a informação privilegiada, indo, assim, contra teses já apresentadas desde o inicio do julgamento. No que toca a alguns contratos com a REN, por exemplo, ficou com “a nítida sensação” que o empresário de Ovar “estava a ter informação do interior”, mas “desconhecendo de quem” porque “não assistiu a conversas”. O ex-diretor-geral da O2 confirmou, para já, apenas um nome, do arguido Fernando Santos, ex-administrador da elétrica, que lhe terá dado conta da existência de propostas “mais competitivas” num concurso para levantamento de resíduos na central Alto Mira (segunda fase), em 2006. Uma referência feita depois do juiz presidente pedir explicação para o facto da O2 apresentar valores muito superiores, no caso três vezes mais, face ao segundo classificado. Os alegados favorecimentos prometem dominar o depoimento que deverá prolongar-se durante várias sessões. “O meu cliente vai ter oportunidade de esclarecer melhor essa parte”, declarou a sua advogada, no intervalo de almoço, remetendo desenvolvimentos para o julgamento. Dália Martins não deu outra razão para “o momento” escolhido para o seu cliente falar em tribunal, a não ser o considerado como “o mais oportuno” de forma a continuar “a colaborar” com a justiça “para tão só se defender” e não colocar em causa outros arguidos. O advogado Paulo Penedos, que responde por tráfico de influências, abriu as hostilidades em tom irónico. “Na escola primaria, nos problemas do recreio, os meninos eram chamados à professora. Havia sempre um que dizia não ter sido ele, foi aquele”, afirmou. O filho de José Penedos, ex-presidente da REN, também acusado no processo, garante pela sua parte que irá “manter a dignidade” e fazer a sua defesa “sem apontar o dedo a quem quer que seja”. O ex-diretor-geral da O2 procurou afastar da sua esfera de responsabilidades a intervenção em processos menos claros e assumiu-se mesmo como “um pau mandado”, porque “recebia ordens de quem devia obediência e executava”. As principais orientações chegavam de Manuel Godinho, empresário tido como a cabeça da "rede tentacular" que terá conseguido favorecimentos em concursos para levantamentos de resíduos a troco de contrapartidas. “O que me prendia na empresa eram os desafios. Deixei uma estrutura a funcionar, não foram outros objetivos que me mantiveram”, garantiu o arguido acusado de associação criminosa e corrupção ativa ao lembrar que estivera para abandonar a O2 antes da investigação criminal rebentar por divergências “de trabalho” com Paulo Godinho, filho de Manuel Godinho. Namércio Cunha tem sido confrontado pelo juiz presidente ao longo da manhã na 18ª sessão com os seus diversos interrogatórios ao longo da investigação que fundamentou a acusação do Ministério Público (MP). Abordou, por exemplo, a famosa lista de prendas que dependia de aprovação final Manuel Godinho, garantindo que limitou-se a “sistematizar” uma tarefa habitual por altura da quadra natálica que chegou a movimentar 80 mil euros por ano (2002/03), verba depois reduzida a metade (2008) graças “a melhor organização”. “A listagem” sugerida por uma grande diversidade de quadros e funcionários do grupo, “nunca foi secreta, nunca teve outro objetivo”, disse, embora admitindo que se procurasse criar “um bom relacionamento” com quem as empresas se relacionavam diretamente ou não, incluindo aqui cargos de administração ou titulares de entidades públicas, algumas das quais responsáveis por licenciamentos. |