Pedro Casaldáliga foi até há pouco bispo de S. Félix, no Brasil pobre, onde antes já era missionário. Um bispo”radical”, no sentido de ir, na sua vida e na acção pastoral, até às raízes de Jesus Cristo, o modelo indiscutível, e até às do Evangelho com as suas exigências e compromissos. Não foi uma vida fácil a sua, como nunca o foi a vida e a palavra incómoda dos profetas. Deparei agora com o seu modo de rezar. que me comoveu e que diz bem da frescura do seu “radicalismo” Assim rezou: “Eu pecador e bispo, me confesso de sonhar com a Igreja vestida somente de Evangelho e sandálias”.
A simbologia muito clara é alusiva à missão evangelizadora permanente e cada vez mais urgente, que acompanha, de modo irreversível, a Igreja de Cristo no seu peregrinar na história. Uma missão que tem de ser inconfundível em todos os passos dos seus mais membros responsáveis.
O Vaticano II, por gestos bem marcantes dos Papas que se lhe seguiram de imediato, pretendeu isso mesmo, uma Igreja missionária e para os nossos tempos, vestida de Evangelho e sandálias. A imagem denuncia um projecto real a prosseguir em cada dia. Um autêntico projecto de conversão, dado que na Igreja, havia e há ainda, no vestir e no falar, muitos atavios de nobreza humana, bem pouco a condizer com quem se proclama serva e pobre, mãe e mestra. Pedro Casaldáliga lutou sempre ao serviço dos pobres da sua diocese, com coragem e persistência. E não abdicou de gritar, para além do seu extenso território de missão, ao reconhecer que, à medida que o tempo avança, se vai tornando quase um pecado pessoal, sonhar e desejar uma Igreja conciliar de cariz evangélico.
Bento XVI, passados já alguns anos de pontificado, decidiu ser, também ele, peregrino de Fátima. O seu peregrinar honra o Santuário e Portugal, onde o mesmo se situa. Porém, não se pode esquecer que, onde quer que vá, o Papa é sempre, com palavras e gestos, o primeiro pregador do Evangelho de Cristo. A sua palavra constitui, por isso, um testemunho de fé, um despertar de vida cristã e de ardor apostólico dos membros da Igreja a que preside. Porventura também um incentivo a todas as pessoas de boa vontade que acolham, sem preconceitos, a sua visita e a sua palavra.
Não vem para que se faça dele o centro de atenções de um mundo meio alienado. Vem para que, com ele, se olhe mais para Jesus Cristo, Redentor e Salvador, e se tome a sério a sua Mensagem, que Fátima traduziu em linguagem tão simples, que nem às crianças foi indiferente.
A renovação desejada tanto da comunidade cristã como da comunidade humana a que pertencemos, não se faz por golpes mágicos ou por via de acontecimentos caros, solenes e barulhentos. O processo interior opera-se, antes de mais, no coração de cada um pelo retorno livre a uma fé esclarecida, coerente e consequente, que extravase do coração humano para o coração da sociedade.
Não se pode esperar do Papa que vem faça o que a cada um compete fazer e o que de todos constitui compromisso sério, se deve fazer, em comunhão, mas sem honras, pessoais ou colectivas. As honras sobram onde os deveres se impõem.
O Papa é, no dia a dia, esmagado por exigências de que não se consegue libertar e que dificultam a sua missão espiritual. Gente, ainda hoje nostálgica dos tempos de um papado com corte e poder temporal, aplaude e favorece costumes e tradições de triste recordação, que dificultam os caminhos da evangelização e se tornam um peso pessoal indesejável. Grilhões para uns, desejos e anseios para outros. Bento XVI é um homem simples, um homem de fé e sempre disponível para a missão. Deixem-no ser peregrino e testemunha de Cristo. Para isso vem. Não o abafem nem desvirtuem a sua missão. Que a pretexto de o honrarem, não se procuram honras pessoais.
António Marcelino
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