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01-04-2003

O Rouceirismo nacional


Editorial

Editorial O Rouceirismo nacional Armor Pires Mota Ei-los que regressam sozinhos, os menos, ou em bandos quase sempre, como aves de arribação a uma terra onde apontam sempre a asa da esperança e de saudade. De qualquer forma, todos muitos felizes, vendendo outros ares. Alguns de comboio, quase todos de automóvel, inundando as estradas, galgando fronteiras sem entraves e sem papelada a ver ou a visar. Porque, afinal, e na verdade, vêm de um país bem maior, a Europa, já que os que vêm do outro lado do Atlântico têm outras leis a cumprir. A Europa, não, é nossa. Sobretudo para os que, um dia, emigraram. E, embora se diga que a nossa terra ou pátria é onde a gente se sente bem e se realiza, a fala do berço chama, pelo menos uma vez cada ano. Vindos das quatro ou cinco partidas do mundo nesta febre que nos resta de descobridores de outros povos e outros costumes, não trazem apenas os cobres ganhos (euros ou dólares), mas a vontade grande de dar um mergulho nas raízes para retemperarem as forças, ritual que se processa na participação em convívios e em festas, muitas das vezes por eles organizados. Há aldeias do interior do país que voltam a ter movimento e reboliço. Afinal, eles não só concorrem apenas financeiramente com as remessas para o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) que tem andado à volta dos 3%. (Refira-se que, segundo o Banco de Portugal, os emigrantes depositaram ou transferiram para bancos portugueses, em 2001, cerca de 3,7 mil milhões de Euros e este ano, até Abril, já entraram nos cofres dos bancos 270 mil milhões de euros...). Mas, noutra perspectiva, não menos verdadeira, os emigrantes são os animadores do desenvolvimento das nossas aldeias. Sobretudo, no aspecto social. Ajudam, com dádivas, individualmente ou em festas e almoços de convívio, a construir centros de dia, lares, creches, capelas, igrejas, quartéis de bombeiros, campos de futebol, etc. Na Bairrada é assim, felizmente e sê-lo-á também pelo país. Porque para além do chamamento do chão de nascimento, têm a noção da função social do dinheiro... Agosto é o mês por excelência do bendito emigrante que se conhece à légua pelo carro, geralmente de boa cilindrada, pelo tipo de matrícula. As aldeias enchem-se, cruzam-se linguajares e ensinamentos; a animação é garantida nos cafés e pelos arraiais. Mostram-se contentes pelos regresso, pelo reencontro de amigos, reforçam ou reatam laços de amizade e de afectos e, já a jogar já em casa, natural é que mostrem alguma vaidade também e exagerem até por vezes no uso da língua de acolhimento. Nós somos dos que achamos que eles têm, pondo de lado todos os exageros, razão em mostrar-se vaidosos e orgulhosos, porque, sendo portugueses, são outros... mais europeus, não só pelos ordenados que auferem, mas também pelo profissionalismo que mostram no desempenho das suas tarefas. Os emigrantes devem ser assim o exemplo (é o fermento) a seguir pelos que aqui, neste tacanho reino de invejas e de pouca ambição nacional, não levantam uma palha para que o país ande para a frente. Eles podem dizer como se trabalha e quanto se produz (já sabemos que têm salários mais altos). Mas não é só por isso que eles têm outra filosofia ou cultura do trabalho. Eles também podem dizer que as regras do mercado do trabalho são bem outras, outras bem mais exigentes, mais flexíveis. O que nos deve preocupar deveras, especialmente os políticos, é esta questão: por que é que os portugueses na diáspora, mas especialmente nas Europas e nas Américas, mostram (e aguentam) alta produtividade? Claro que o nosso sistema emperrou, e de que maneira, e bem podem pregar os ministros. O ronceirismo nacional continuará a ser uma pecha, próxima do desastre, enquanto não se verificar uma mudança de mentalidades no trabalhador, mas em muitos casos, também no empresário. Não existe uma cultura do trabalho, como por vezes, oscila por aí um errada cultura empresarial. Por isso, não nos fiquemos só a olhar para os carros de luxo ou os ordenados (chorudos, se comparados com os dos nossos trabalhadores por conta de outrem). Aprendamos com eles algumas coisas, porque, especialmente neste campo, são o exemplo acabado do que devia ser o português cá dentro: ambicioso, trabalhador, profissional, cada um em sua tarefa. Nada de baldas ao trabalho nem falcatruas de baixas por uma vertigem no olhar, uma verruga no pé ou o filho supostamente doente. Uma vergonha nacional o que se passa com as baixas fraudulentas, os falsos atestados e com Fundos de Desemprego e os Centros de Emprego. Comendo naturalmente o pão que o diabo amassou, os nosso emigrantes aprenderam a ser gente, a trabalhar de mão cheia. Será que para vermos mais longe e melhor futuro temos de comer ainda muito pão que o diabo amassa sempre? Já não basta a crise que está aí e o pão rijo que já se anuncia? (21 Ago / 13:50)

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