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06-04-2004

As tentações dos autarcas


Editorial

Espantástico, diria ou escreveria Mia Couto.
O executivo da câmara de Matosinhos, segundo os media, acordou em pagar os anúncios da morte do pai do presidente, o socialista Narciso Miranda, feitos em vários jornais da cidade do Porto, também Lisboa, no dia 11 de Março, aquando do triste desenlace. Em grandes parangonas de uma página e meia página, dizendo todos o mesmo.
E não é coisa pouca. A factura atinge 33 mil euros e diz apenas respeito aos anúncios lutuosos, mandados fazer pela câmara e pela assembleia municipal de Matosinhos. Fora as despesas, com iguais anúncios, feitas pelas empresas municipalizadas (SMAS, ADEIMA, ANCIMA, MS etc., uma farturinha e uma maneira displicente de multiplicar postos de trabalho, que garantam votos.
Despesas estas que rondam 27 mil euros.
Tudo somado, 60 mil euros. Quando um só anúncio bastava naturalmente para dar a conhecer o infausto acontecimento. Coisa, na verdade, pouca para tão grande desavergonhice
Nada de modéstia e nada de crise.
Nada de parcimónias e cerimónias.
O país está cada vez mais empobrecido, com combustíveis a subir um euro (é pesadão!), o que dará pão mais caro, bem caros os transportes. A liberalização que parecia coisa óptima, está já a irritar os portugueses. Nunca é para menos...
A crise é para os outros. Em Matosinhos e noutras partes.
Curiosamente, foram os deputados do PSD/PP, de Matosinhos, que propuseram que a câmara assumisse a factura, ou melhor, as diversas facturas, porque serão alguns os diários a arrecadar tão afortunada e inesperada conta. Mas também o deputado da CDU, Honório Novo, achou bem a solução, porque se a câmara mandou colocar os anúncios, deve pagá-los.
Nestas coisas, afinal, todos se entendem.
Respeitar os compromissos, ainda que de duvidosa legalidade, fica-lhes bem
O que já não parece bem é que, a propósito da morte do pai do presidente da câmara, esta se dê ao luxo de anunciar, com autorização do vereador, Fernando Rocha, do mesmo naipe rosa, e pagar publicidade de tamanha monta, à grande e à francesa, com dinheiro dos cidadãos cuja maior parte por infaustos e semelhantes acontecimentos, não tem dinheiro para sequer um pequeno anúncio de meia dúzia de linhas. Outros nem para um ramo de flores ou caixão.
Não está em causa o merecimento do extinto. Os pais merecem tudo, em tempo de vida e na morte. Mas as honras, se as querem os descendentes, que as paguem ou saia o cheque das empresas, se são sócios ou familiares de algumas.
Fazer o contrário, como no presente caso, é ir além do bom senso. Por muitos méritos que tenham Narciso de Miranda, como verdadeiro dinossauro autárquico, abichando mandato atrás de mandato, e o seu pai.
Ora imaginem-se outros casos semelhantes (pai, mãe, irmão, esposa) com autarcas de Matosinhos... Todos teriam direito a um procedimento semelhante para haver democracia, ou não comerem mais uns do que outros.
E vejam, agora, se a moda pega a nível de todo o país.
Felizmente, que ainda há gente nas câmaras com bom senso e rigor de gestão, se não para onde ia o país! Ainda mais para o fundo


Este caso mostra, de algum modo, como, por vezes, as câmaras, de todas as cores, que, de resto, são acusadas de concorrerem fortemente para o défice das contas públicas, - gerem os dinheiros dos contribuintes, que, às vezes, até dão para levar ao Brasil grupos de idosos, padres, médicos, presidentes de junta, naturalmente todos eleitores, caso do presidente da câmara da cidade de Espinho, José Mota, outro socialista de quatro costados.
Sabe-se que a autarquia não paga tudo, mas dá um apoio suficiente para umas boas férias - suporta alojamento, refeições e viagens de autocarro dos felizes excursionistas.
Há quatro anos que faz estas viagens de apoio aos idosos. Confessa mesmo que tem de olhar pela segurança dos seus munícipes. E tudo por amor a Espinho. É mesmo um amor desmesurado... tanto que não haverá idoso no país que não gostasse de ter assim um presidente tão solícito... com o dinheiro dos contribuintes.

Outra maneira de deitar fora o dinheiro dos contribuintes é, nem mais nem menos, as câmaras terem a tentação de serem as maiores empregadoras dos concelhos, ou. no mínimo, grandes, ao admitirem para os seus quadros pessoal, que nem sempre é assim tão necessário. Seguindo a filosofia ou a falácia de que “as câmaras nunca abrem falência”.
Se todos fizerem um pouco mais, com brio, a tempo inteiro e peito feito, não seria preciso reforçar ou alargar quadros. Seria uma boa receita em tempo de apertar eternamente o cinto.
Se for potenciado ao máximo o trabalho de cada um, muito mais se fará.
Ora não é isso que acontece no geral, embora se conheçam boas excepções. As más, ou péssimas, é quando, durante um só mandato, dão entrada nos serviços de uma câmara cerca de duas centenas de pessoas. Ou até quatro centenas, noutra.
Por vezes, são tantos que, dentro ou fora, até se estorvam uns aos outros. E nada há pior para quem trabalha do que aqueles que nada fazem, diz o povo na sua enorme sabedoria.
Nestas aquisições contam também os boys e girls de qualquer partido. E poucas câmaras estarão isentas dessa abominável pecha nacional. É a política do “encaixe” .

Outro caso que mostra que, algumas vezes, o poder autárquico se esquece do bom senso e da boa gestão dos recursos, que sempre clamam serem curtos, é a realização do Congresso da Associação Nacional de Municípios do país na Madeira, durante três dias. Evento que abarca nada menos de mil autarcas. Não é que tenhamos alguma coisa contra o local. E muito menos contra os autarcas. O local é, sem dúvida, apetecível e maravilhoso para tudo, até para férias.. Mas cremos que os nossos queridos autarcas vão debater assuntos de interesse, numa fase em que se fala da transferência de mais competências para os municípios.
Em tempo de vacas magras, quando os municípios se queixam, à uma, que a extinção da velha sisa agravou as suas receitas, quando todos invocam a crise e seus milhentos tentáculos, esta deslocação, ainda que merecida, porque há quem muito faça pelas populações e seu bem estar, (não está isso em causa) pode ser interpretada como um justo prémio, mas a leitura que a maioria fará é de um certo supérfluo despesismo, a somar a outros, quando não há dinheiro para tocar uma estrada para a frente ou tapar um simples buraco na rua dos Eternos Esquecidos.

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