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06-10-2004

A gratuitidade anunciada


Editorial

Como muitos também eu tive a curiosidade de ir experimentar a nova auto-estrada entre Aveiro e Mira. O piso é bom, parece bem sinalizada e tem entradas e saídas com amiudada frequência. A primeira impressão é positiva, e nada faria supor que não o fosse, numa nova infra-estrutura rodoviária de que a região tanto carecia. Os pontos negativos de que em tão pouco tempo de teste me apercebi, são os acessos. Os acessos, principalmente a algumas localidades, que muito têm a ganhar com esta nova auto-estrada, não foram terminados ou ainda nem sequer os começaram. Por isso, saímos da auto-estrada e entramos directamente no centro duma pequena povoação, como acontece por exemplo na Moita. Esta estrada chega com vinte anos de atraso e por esse facto é bastante celebrada. Infelizmente não é aplaudida por muitos que imaginaram percorrê-la pelo retardo na sua construção mas, mesmo assim, servirá de mola impulsionadora da vasta região que recorta. Um outro problema é a gratuitidade anunciada ao tempo pelo Ministro Cravinho e que será revista pelo actual executivo. Do sistema a implementar conhece-se apenas que terá um raio de gratuitidade de 30 km para residentes e que será gerido por meios electrónicos. Muito pouco para poder formular juízos. Haverá um sem número de questões que tal sistema irá levantar. O sistema SCUT (portagens virtuais) parecia um sistema perfeito. O Estado não investia directamente nas auto-estradas e pagaria ao longo dos anos segundo o tráfego de cada uma das sete novas vias a construir. Em concreto, o Estado Português não desembolsava já a “massa” e ia pagando demoradamente como um “leasing” de renda variável, consoante a utilização e as suas posses. O problema é que, segundo o actual governo, as rendas a pagar são insuportáveis para o orçamento nacional a médio prazo e também as construtoras já começaram a reclamar compensações ao Estado devido às alterações nos projectos das vias. O reequilíbrio financeiro (compensação financeira) é pedido pelas concessionárias ao abrigo dos contratos firmados com o Estado e decorrem das alterações que lhe foram sendo introduzidas, ainda antes deste anúncio de portagens. Esses contratos foram assentes em determinados traçados, previsões de tráfego e prazos que, entretanto, foram sendo alterados (como o exemplo do lançamento de vias sem o necessário estudo de impacte ambiental). Como em auditoria datada de 2003 detectou o Tribunal de Contas, o Estado sai muito penalizado no modelo contratual de repartição de riscos, ficando com reduzida margem de manobra para negociar com as concessionárias. Nesse parecer explica-se, por exemplo, que o Estado ao abrir uma via alternativa a que as concessionárias possam atribuir uma diminuição do tráfego previsto, estas ganham imediatamente o direito de serem indemnizadas. Pelo menos num ponto desta polémica o Governo e a oposição estão de acordo. Criar uma comissão para avaliar os custos e o impacto desta situação. Espero que acordem num prazo curto de conclusões e que demonstrem se de facto é possível ou não pagar o que este governo diz ser difícil. Este governo, é na minha opinião, o principal interessado na rápida conclusão deste inquérito pois aboliu mais um benefício aos portugueses. Para além deste problema de dinheiro e de deficiente programação do anterior governante este governo junta um outro ponto. O tal princípio do utilizador pagador. Aparentemente é justo que sejam os que cruzam as vias a pagá-las e não aqueles que nem carros têm ou não as usam. Mas, também é certo e justo, que terão de ser as regiões mais abastadas a contribuir para o desenvolvimento das mais desfavorecidas. Por isso mantendo este princípio, com o qual concordamos, o Governo deveria encarar a discriminação positiva de uma forma mais lata e abrangente. Por exemplo fazer que os quilómetros gratuitos fossem função da interioridade, que as empresas que nada devessem ao Estado ou que cumprissem prazos de pagamento mais curtos fossem premiadas com mais km de isenção. Penso que todos percebemos que em casa que não há pão todos ralham e ninguém tem razão mas, para evitar sempre estas guerras de reformas e contra-reformas, deveríamos obrigar todos os governantes os cabimentar verbas para gastos que ultrapassem os seus exercícios. Se assim não for continuaremos a criar monstros enormes, como os estádios de futebol e auto-estradas que ninguém sabe como vai pagar mas que todos os governantes gostam de mostrar que as fizeram. Deixa de ser necessidade para ser apenas vaidade. António Granjeia* *Administrador do Jornal da Bairrada

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