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01-02-2005

Memória


Editorial

“Memória é tudo aquilo do que uma pessoa se lembra, como também sua capacidade de lembrar. Na mitologia grega, a memória era uma deusa, Mnemosine, que, unida a Zeus, gerou as nove musas, divindades responsáveis pela inspiração poética. Fisicamente, é o processo de aprender, armazenar e recordar uma informação. Memória não é História. Memória é o que registramos na nossa mente. História é a narrativa que montamos a partir da nossa memória, a construção do que lembramos. Memória tão pouco representa um depósito de tudo o que nos aconteceu. A memória é, por excelência, selectiva. Guardamos aquilo que, por um motivo ou por outro, tem - ou teve - algum significado em nossas vidas. Ela vai acabar por constituir o suporte fundamental da identidade individual e colectiva.”

In “o museu da pessoa”

É importante percebermos este processo de construção da história, da nossa história pessoal, da história do nosso País ou da história da humanidade. O passado dia 27 de Janeiro, entretanto institucionalizado como Dia da Memória em numerosos países ocidentais, foi o dia da libertação do campo de morte de Auschwitz pelo exército vermelho soviético. Neste dia, a humanidade evoca a Shoah (Catástrofe em hebraico).

Foi, de facto, uma calamidade imensa como a palavra hebraica traduz. Uma fatalidade inimaginável aos olhos duma civilização ocidental progressista, mas também incapaz de olhar para as injustiças que a rodeavam, que gerou ódios no seu seio e que muitos só acreditaram quando viram a barbárie dos campos de concentração nazi.

Li, há dias, num artigo que Esther Mucznik publicou num jornal nacional que “Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz e testemunha incansável do Holocausto, confessava que já não tinha muito gosto em ir às escolas falar da sua experiência porque sentia que a sua linguagem se tornara insuficiente, que falava uma língua diferente. E dizia isto a propósito da seguinte reacção de dois alunos de uma escola: Por que vem você, mais uma vez, contar-nos a sua história, quarenta anos depois, depois do Vietname, depois dos campos de Estaline, da Coreia, depois de tudo isso... Porquê? Conta Primo Levi, que face a esta pergunta ficou de boca aberta, encurralado na sua condição de sobrevivente e com grande dificuldade de responder e com a sensação de ser um sobrevivente de uma outra época, um antigo combatente, um velhote ultrapassado? Primo Levi exprime aqui, com a simplicidade e o rigor que sempre caracterizaram os seus escritos e depoimentos, a imensa dificuldade da transmissão da memória e, neste caso, da memória do Holocausto.”

Este depoimento dá-nos conta de como o processo de memória e a construção do processo histórico é difícil de completar, como colectivamente poderemos branquear páginas horríveis da nossa história colectiva. São páginas, que por difíceis de ultrapassar, pela vergonha que colectivamente nos causam e incomodam, vamos tendo tendência a esquecer. Por isso fazemos os monumentos, as evocações, os museus, etc. Por isso é importante visitar uma vez na vida que seja um campo nazi.

Mas não nos fiquemos pelos nazis e lembremos, pela mesma razão, que os que libertaram Auschwitz e só à sua conta multiplicaram por 3 todo o horror gobeliano. Estaline e os seus pares, desde que tomaram o poder soviético, mataram quase 20 milhões de seres humanos nos seus “gulacs” como conta Soljestine e quase liquidaram 1/3 da população da Estónia. Os regimes comunistas, que ainda hoje subsistem, caracterizam-se pela sua extrema violência e presos de consciência. Vejam os regimes norte-coreano, chinês ou cubano. E desses regimes, que monumentos levantámos, que história contamos ou fazemos? Ainda os apoiamos com o nosso comércio ajudando-os a manter as mordaças da consciência como em Cuba, a exploração do trabalho como na China e a fome na Coreia do Norte.

António Granjeia*
*Administrador do Jornal da Bairrada


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