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15-02-2005

Do desaparecimento de Portugal


Pluralidade

Portugal é pequeno. Pequeno em território, com uma língua pejada de diminutivos, gente de estatura mediana, políticos de gestos baixos, curto de ambição (a não ser no futebol), pobre, acanhado, salientando-se pela positiva em poucas áreas e pela negativa em muitas. No passado, adequámo-nos a esta pequenez, ao ponto de querermos um Portugal ao alcance da mão. Construímos um Portugal dos Pequenitos, em Coimbra, temos o Portugal do Mestre José Franco, no Sobreiro (próximo de Mafra) - hoje, um e outro, sinais de um Portugal pitoresco que não existe já senão para turista ver, um Portugal kitch. (Recentemente revisitei este último espaço e o que vi foi revelador: várias tascas sempre a aviar sandes e bebidas; instrumentos musicais, alfaias agrícolas e piscícolas de outras épocas, amontoados e apodrecendo em desvãos; lojas vendendo bugigangas e cerâmica de qualidade dúbia; o próprio Mestre José Franco, já velhote, dando autógrafos ao som de uma música ensurdecedora de concertina?).

Portugal é pequeno. Porém, suficientemente grande para não caber nos limites estritos de um discurso - seja ele político, económico, filosófico ou sociológico. Ou seja: Portugal é isto tudo que acabei de enunciar e muito mais. Aliás, este Portugal de que falei está, pelo menos à superfície, em vias de extinção. A internet, os telemóveis, a televisão, as playsations, estão a encarregar-se de transformar um país, há vinte anos arcaico, num país pós-moderno. Pelo menos, à superfície. Assim, as avaliações derrotistas e os orgulhos do patriotismo ressesso talvez tenham o mesmo peso na balança do futuro, isto é, nenhum.

Portugal é pequeno, e está condenado a desaparecer. José Gil diz no seu último livro que «Portugal arrisca-se a desaparecer», por não ter aproveitado as ajudas económicas da Europa e por continuar a desperdiçar oportunidades únicas. Quanto a mim, não duvido que, daqui a cem anos, Portugal terá desaparecido tal como o conhecemos hoje. Muito provavelmente terão deixado de existir estados soberanos e os novecentos anos de Portugal serão uma data simbólica. O espaço que hoje habitamos fará parte de uma qualquer Confederação Ibérica de territórios autónomos, culturas, ou neo-culturas resultantes da síntese das anteriores. E isto nem é futurologia, nem falta de amor pelo meu país, é o inevitável decurso da história, que é em si mesma um conjunto de mutações. As identidades tribais ou nacionais sempre se transmutaram. Daí que não haja nada de trágico nisto. E, quando se fala do papão da integração dos países de Leste na União Europeia e no que isso acarreta, num futuro próximo, de perigo para Portugal, esquece-se que, se a União Europeia vingar, o sucesso desses países não pode ser senão benéfico para Portugal...

Perante isto, pode-se perguntar se a actual situação portuguesa prenuncia um suicídio social e económico colectivo ou o fim abençoado de uma identidade amarfanhada? É difícil decidir. Porém, é fácil compreender que seria muito mais desejável que fôssemos senhores do nosso destino e que a nossa transformação noutra coisa não viesse de fora como uma imposição. A haver tragédia, ela é esta: não agirmos - e sermos, por isso, levados a reagir. É esse o perigo, por exemplo, da abstenção. Abstermo-nos significa aceitar ir a reboque. Assim, por péssima que nos pareça a situação actual do país, será sempre preferível ir ao fundo de olhos bem abertos, ou seja, ir votar, assumindo a responsabilidade - preferível isso a, cobardemente, não votar.

Enfim, a pequenez de Portugal, como qualquer pequenez, é relativa. Portugal é grandito, comparado com Timor ou com o Luxemburgo? Tudo depende com quem nos comparamos. Da comparação resulta, umas vezes, a admiração, outras a inveja, outras a altivez. Mas existe uma outra via para avaliar a dimensão de um país (curiosamente, já seguida pelos portugueses uma vez na sua história; a única vez em que foi grande, e precisamente por se ter aberto ao desconhecido e ter, desse modo, aberto as portas à actual globalização): essa é a via daqueles países que têm, para si próprios, o tamanho dos seus gestos, a dimensão da sua acção. O que não é bom em si mesmo, obviamente - porque há países com dimensões medonhas e de acções infames -; contudo, no caso português, por estarmos muito longe desse perigo, deixar as comparações e passar a uma acção conforme à nossa medida será a única forma de crescermos? ou desaparecermos dignamente. Paulo Carvalho


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