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24-02-2005

Os humildes serão exaltados


Opinião

A morte da Irmã Lúcia, única sobrevivente das aparições de Fátima, tocou muita gente, talvez para além do que seria de esperar. Numa linha emocional, o que facilmente se explica, mas, sobretudo, numa dimensão espiritual que se traduziu em admiração e gratidão, a denunciar nostalgia de Deus e vontade de manter vivos acontecimentos que tornam palpável o sobrenatural, que nos acompanha e não deixa que a vida perca o sentido.

Um problema de cristãos mais conscientes ou mais humildes, a que não ficam indiferentes outros, mais próximos de Deus do que se pode pensar.

A irmã Lúcia foi uma humilde religiosa carmelita que não se colocou nos bicos dos pés para evocar a condição privilegiada de ter sido escolhida pelo céu para uma missão que ela levou generosamente até ao fim.

Discreta, sem contacto directo com o exterior, como exigia a sua condição de contemplativa, não indo a Fátima ao longo de uma vida de muitas dezenas de anos, senão quando os Papas foram peregrinos deste santuário.

Sem pergaminhos de uma cultura humana assinalável, nem de um prestígio social a dar nas vistas, a sua morte fez olhar meio mundo para ela e soltarem-se sentimentos diversos, de proximidade, de gratidão e de paz.

Para além do mistério que a tocava e envolveu a sua vida de serenidade e de sentido, a fidelidade a Deus, ao seu dom e ao seu projecto, marcaram, na sua simplicidade, a sua verdadeira grandeza.

Fizeram-se comparações para sublinhar a riqueza da sua vida ou para a comparar com outras vidas, porventura mais vistosas e conhecidas. Desnecessariamente, porque as pessoas não valem por comparação ou pelo juízo de quem as vê de fora. Cada pessoa vale por si. É o modo como se viveu que a credencia publicamente e, mais ainda, sobrenaturalmente. Ninguém se compara a ninguém. Cada um só se pode comparar ao que dele é legítimo esperar. Ao sublinhar o valor de uma vida que entrou no património do povo a que pertenceu, sublinha-se o valor de quem foi fiel à sua história, e viveu essa vida sendo, de qualquer modo, útil aos outros.

Poda haver, neste ponto, tanto omissões, como exageros. Uma coisa é certa: há vidas que emergem sem patrocinadores. Elas são de todos.

Fátima impôs-se à Igreja e ao mundo por caminhos que nada tiveram a ver com projectos programados. É a história, sem preconceitos, que o diz, de modo muito claro. Na sua luz, aparece, a envolver o favor divino, a grandeza inocente das crianças, o sentido positivo da pobreza e do apagamento, o apelo à necessidade de conversão interior, o testemunho de simplicidade de um povo crente. Francisco e Jacinta partiram cedo e voltaram de novo. O povo entendeu o seu regresso e exultou. Lúcia ficou. A sua vida escondida foi agora uma vida exaltada. O Evangelho profetizara nesse sentido. Uma ponte com o céu, enriqueceu a terra. O povo entendeu.

D. António Marcelino*
*Bispo de Aveiro

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