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24-05-2005

À Benfica


Editorial

Vi ontem muitos vaticinarem, durante a eufórica noite que trouxe a vitória benfiquista que “agora é que vai”; “Portugal vai andar para a frente” porque 60% dos portugueses estavam realmente felizes. Portugal alegre, Portugal encantado, Portugal maravilhado, Portugal festivo, enfim, o Portugal do agora é que é e do agora é que vai.

Como eu gostaria de acreditar nisto!

Momentos antes de Portugal parar para ver o “esférico rolar em cima da relva” a tensão era grande, o frenesim em muitos bares que tinham televisão era enorme e o trânsito automobilístico reduzia-se ao mínimo. Eu próprio, em viagem de Coimbra para Aveiro, tive oportunidade de verificar o abaixamento impressionante no consumo de combustíveis fósseis durante esse tempo. Em contrapartida, o consumo das chamadas “bejecas” aumentou em proporção inversa e, no final da noite, acabou misturada com o dispêndio dos combustíveis dos carros que celebraram a vitória ou com os melões apanhados no desespero da noite.

Embora sendo natural e saudável o festejo de muitos adeptos (eu também celebrei no recato da minha casa), já me parece quase paranormal e só ao alcance de firmes e hirtos bruxos ou videntes que acompanham a horda do futebol, misturarem a vitória benfiquista com a recuperação económica do País.

Ainda em vésperas do jogo, disse o Professor João Neves que aeconomia não se rege pelos resultados da bola. Não se vendem mais batatas, fatos ou carros porque o Benfica ganhou, o Porto empatou ou o Sporting perdeu. Felizmente, que os agentes económicos agem com menos paixão e mais razão, quer dizer - às vezes.

As vitórias desportivas são efémeras por definição e de igual natureza o são os ídolos e as paixões que concebem. Por isso, é importante que não percamos nesta euforia futebolística, o precioso enredo da novela que vêm sendo a difícil determinação do valor do défice de Portugal. O Governo clama porque o défice é exagerado, protesta com razão porque o governo anterior não o controlou devidamente, por isto, por aquilo, etc. Esquecem-se, talvez confundidos pelo barulho da festa benfiquista, que no início deste despesismo incontrolado esteve o caminho para o pântano de Guterres. Toda a gente sabia que o défice é maior que 3%. Até o mais destituído português percebe que se havia receitas extraordinárias é porque o défice não era de 3%. (daha). Também o sabiam os ex-primeiros ministros: o Eng Guterres que o começou, o Dr. Barroso que arranjou receitas extraordinários para o encobrir, e, por fim, o Dr. Santana Lopes que o ignorou, como se varresse o lixo para debaixo da carpete. O Eng Sócrates só está atormentado com o seu valor e não em reduzir a despesa que é a causa mãe de qualquer défice.

Os portugueses já conhecem a ladainha, pois seja qual for o governo, nos últimos 10 anos, a sua missão é sempre salvarem-nos do caos. O caos é a despesa incontrolada que só pode gerar impostos e mais impostos. Essa é a verdadeira consequência do défice - apenas mais impostos. O mais fantástico disto é a posição pretensamente descomprometida do governador do Banco de Portugal, o socialista Vítor Constâncio. Não é aceitável nem normal, que um técnico competente e respeitado como Vítor Constâncio, aceite participar numa encenação dramática sobre o valor do défice. Não é também razoável que sugira medidas ao Governo e confunda essas ingerentes dicas com pedagogia económica. Por fim, não é minimamente recomendável que todos os partidos políticos tenham, na última campanha eleitoral, prometido o impossível, sabendo que teriam, muito provavelmente, de fazer o contrário no caso de vitória nas eleições. É o que o governo socialista já está a preparar com os aumentos dos impostos indirectos e as portagens nas scuts que jurou nunca colocar. A ver vamos.

E, finalmente, viva o Benfica que, embora ainda tenha um défice maior que o governo, pelo menos, ainda anima muitos portugueses.


Nota:

Já depois de escrever este editorial foi anunciado a previsão do défice para 2005 com um valor percentual de 6.83. Esta estimativa não inclui o endividamento autárquico, o que, em ano de eleições municipais, é um erro básico. Vitor Constâncio é governador do Banco de Portugal desde Fevereiro de 2000 (tempo de Guterres) e por isso é lamentável que seja actor principal nesta espécie de novela. Entretanto hoje em conselho de ministros o Eng Sócrates deverá anunciar o aumento do imposto sobre combustíveis e automóveis, assim como álcool e tabaco. Mas também se prevêem mexidas no IVA.

António Granjeia*
*Administrador do Jornal da Bairrada


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