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14-12-2005

Vem aí no final de um ano doloroso


António Marcelino - O Natal em que acredito, o Natal que eu desejo

O teu Natal, Senhor Jesus, vem aí no final de um ano doloroso, no qual pudemos ver larga sementeira de morte, devastação, desespero, indiferença, guerra.

Decerto, não foi só a natureza criada, descontente com aqueles que a não respeitam e não se esforçam por penetrar o seu segredo e perscrutar as suas leis. Foram, também, os que não deixam o mundo rasteiro dos seus interesses e ficam alheios ao sofrimento de quem não entra nos seus projectos. Foram, ainda, os que, na actividade política, por esse mundo fora, se esqueceram que só a procura denodada do bem de todos justifica a sua vida. Fomos todos nós que, por acções e omissões, andamos, talvez, por caminhos que não são os teus.

É verdade que, ao longo do ano, muita gente também semeou verdade, amor, alegria, solidariedade, justiça, paz. Mas, o que então se foi fazendo, raramente teve história, digna de jornais ou de televisão. Ficou apenas, e não é pouco, a ser luz interior para quem ousou caminhos de bem ou deles beneficiou. Luz contagiante a convidar a ir mais longe, pelo que tem de gratificante o bem feito e a fonte de onde ele dimana.

Olhar para trás, para esse quadro de luz e de sombras, pode ser um convite libertador. Daqui a dias, com o novo ano a despontar, lá virá o tempo de sonhar e de tentar construir, de novo, o futuro desejado. Mas há sempre corações doridos, de quem muito sofreu e ainda sofre, a negar-se à esperança de melhores dias. Quem os poderá moldar a uma esperança renascida que não desiluda?

Será tão bom, Senhor Jesus, quando, um dia, o Teu Natal, a maior prova de amor jamais vista na história humana, se tornar a festa de todos, a fonte diária da esperança, a certeza de que o mundo e a vida recobraram o sentido e a tónica das relações humanas se tornou, de modo claro, uma fraternidade sem fronteiras!

Tu sabes que já andam por aí a querer dar por terminado o Teu Natal, por ser o Teu, ou a querer que ele seja apenas um feriado civil que todos aproveitam. Mas também sabes que são mais, muitos mais, aqueles que o respeitam, o não querem perder e o defendem como o Teu Natal. Estes que acabarão um dia, assim creio, por impô-lo aos tempos adversos dos profetas que Te negam, Te dispensam e se incomodam, porque não cabe nos seus critérios humanos gesto de tanta humildade e grandeza.

Será tão bom, Senhor Jesus, se os que hoje, em luta política, disputam o lugar cimeiro da Nação, tenham eles ou não fé em Ti, apanharem do Natal o sentido da convivência feliz, do respeito mútuo, da doação sem reservas, do amor gratuito à causa pública, do projecto de paz, e banirem tudo o que, por palavras e atitudes, minimiza a grandeza da dignidade humana que, com o Teu Natal, a todos nos foi dada!

Quero continuar a ver neste Teu Natal a festa que congrega a humanidade como uma família, e espera que cada família seja semente de humanidade; a festa que fomenta sentimentos novos de respeito e de apreço mútuo e dá a cada homem e mulher a consciência da sua grandeza e do seu lugar central na sociedade; a festa que ajuda a hierarquizar, segundo o bem esperado e devido, as actividades e os projectos sociais; a festa que revela o que vale a pena na vida do dia a dia, faz crescer em cada pessoa a auto estima, apaga, com gestos de amor, as lágrimas da dor alheia, abre ao mundo as janelas da esperança, sugere projectos e compromissos de paz e de bem-estar social.

Eu desejo para todos, Senhor Jesus, um Natal assim. Com estas cores de festa e este sentido de esperança, só este é o Teu verdadeiro Natal.

António Marcelino, bispo de Aveiro


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